terça-feira, 5 de novembro de 2013

Poemas de Carlos Drummond de Andrade 


No meio do caminho

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.


 As sem-razões do amor

Eu te amo porque te amo, 
Não precisas ser amante, e nem sempre sabes sê-lo. 
Eu te amo porque te amo. 
Amor é estado de graça e com amor não se paga.
Amor é dado de graça, é semeado no vento, na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários e a regulamentos vários. 
Eu te amo porque não amo bastante ou demais a mim. 
Porque amor não se troca, não se conjuga nem se ama. 
Porque amor é amor a nada, feliz e forte em si mesmo. 
Amor é primo da morte, e da morte vencedor, por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor. 

 Os ombros suportam o mundo

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus. 
Tempo de absoluta depuração.
 Tempo em que não se diz mais: meu amor. 
Porque o amor resultou inútil. 
E os olhos não choram. 
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco. 
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás. 
Ficaste sozinho, a luz apagou-se, mas na sombra teus olhos resplandecem enormes. 
És todo certeza, já não sabes sofrer. 
E nada esperas de teus amigos. 
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo e ele não pesa mais que a mão de uma criança. 
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios provam apenas que a vida prossegue e nem todos se libertaram ainda. Alguns, achando bárbaro o espetáculo, prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer. 
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem. 
A vida apenas, sem mistificação.

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